PL da devastação: o sinistro mundo sem licenciamento ambiental
Coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, Antônia Melo escreve sobre como o PL, que pode ser votado na Câmara a qualquer momento, põe em risco populações e ecossistemas

Ela consta na pauta de votação da Câmara desta terça-feira (15). Se for aprovada pelos deputados, vai à sanção presidencial.
Por isso, essa é uma newsletter diferente.
Quem assina o texto a seguir é uma das maiores lideranças sociais hoje atuantes na Amazônia brasileira: Antônia Melo, coordenado do Movimento Xingu Vivo para Sempre.
“Confesso que a possibilidade de que o Congresso Nacional aprove o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021 – que, entre outras desgraças, fragiliza o licenciamento ambiental -, me apavora. E me apavora também a possibilidade de que o governo federal não enfrente com todas as armas possíveis esta ameaça.
Lembro que, na juventude, na década de 80, ouvia pelo rádio as notícias sobre Cubatão, em São Paulo, a cidade chamada de “vale da morte”.
Diziam que, por causa das indústrias petroquímicas que operavam sem nenhum controle, as crianças estavam nascendo sem cérebro. Falavam de um céu escuro de fumaça, de árvores mortas, de gente que não podia mais sair de casa sem sentir o ar arranhar o peito. Aquilo me dava medo. Mas eu achava que era coisa distante, dessas que só acontecem nas cidades industrializadas, longe da nossa beira de rio.
Hoje, no entanto, esse mesmo terror está ameaçando a existência de todos nós que vivemos na Volta Grande do Xingu, no Pará. A mineradora canadense Belo Sun quer instalar aqui a maior mina de ouro a céu aberto do país. É um projeto previsto para funcionar por quase 20 anos, que quer escavar duas crateras do tamanho do Morro da Urca dentro do assentamento PA Ressaca; que planeja fazer duas montanhas de estéril, de cerca de 200 metros de altura cada, e mais de 300 hectares de extensão; que pretende fazer uma barragem de rejeitos tóxicos de 35 milhões de metros cúbicos a pouco mais de um quilômetro do rio Xingu; e que pretende usar mais de 470 metros cúbicos de água por hora, o suficiente para abastecer uma cidade de 45 mil habitantes.Caso liberado, o projeto será um pesadelo; as explosões ininterruptas das escavações, as violências, contaminações, mortes de bichos e da floresta, nuvens de poeira, a seca dos córregos, igarapés e águas subterrâneas – tudo isso em meio aos já quase insuportáveis impactos do aquecimento global, que ano a ano seca mais a Amazônia -, são uma perspectiva aterrorizante.
O que ainda nos protege deste terror é a suspensão, na Justiça, da licença de instalação de Belo Sun.
Mas e se o Congresso aprovar o PL 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação, que desmonta o licenciamento ambiental, permite auto-licenciamento, ignora impactos cumulativos, e pode usurpar o direito à consulta prévia dos povos e comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas?
Se for aprovado, projetos como o da mineradora Belo Sun, hoje barrados por irregularidades, passarão a ser autorizados como se fossem seguros. Para se ter uma ideia, a barragem da Belo Sun pretende acumular um coquetel tóxico de rejeitos com metais pesados, cianeto e outros poluentes. Se houver vazamento ou rompimento, o impacto sobre o rio Xingu pode ser irreversível – matando peixes, contaminando a água e envenenando comunidades inteiras. Não seria diferente do que acontecia em Cubatão, onde a contaminação por metais envenenava até o leite materno.
Fico pensando muito nisso. Foi justamente a ausência de controle ambiental que tornou Cubatão um símbolo mundial da destruição. Sem leis rígidas, sem exigência de estudos de impacto e com indústrias funcionando sem fiscalização, aquela cidade virou um laboratório da tragédia. O preço foi a saúde da população e dezenas de vidas perdidas. E isso só começou a mudar quando o Brasil reconheceu que precisava de uma legislação ambiental robusta, com regras claras, estudos de impacto, responsabilização de infratores e limites estritos a projetos com potencial de impacto.
Nós aqui na Volta Grande do Xingu, onde foi construída a hidrelétrica de Belo Monte – projeto considerado um dos maiores crimes ambientais da história recente do nosso país -, conhecemos bem os sofrimentos causados por uma grande obra, licenciada aos trancos e barrancos às custas de várias violações da legislação ambiental. Penso o que seria de nós se o pouco de proteção legal que nos concederam já não existisse…
Sem licenciamento, o que se libera não é desenvolvimento. É a contaminação da água, é o ar que mata, é a terra envenenada, é a repetição de tragédias que já conhecemos”.
Leia o texto completo no site.
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Sou da Baixada Santista. Fui uma criancinha filha de um operário no "Vale da Morte". A fala de Dona Antônia gelou minha espinha, resgatou uma sensação física de medo. Precisamos compartilhar muito esse texto. Parabéns à Brasil de Direitos